domingo, dezembro 02, 2007

Veredicto


Não tinha mesmo como explicar o que sentia. Se ao mesmo tempo em que o desprezava intelectualmente, o apelo físico a atraía de forma irresistível para aqueles músculos delineados, aqueles traços perfeitos, aquele sorriso tão bem desenhado, aquela overdose de testosterona.

Cada detalhe daquele corpo parecia ter sido planejado com admirável primor por um arquiteto invisível. Se empobreço o texto pelo excesso de adjetivos, é porque não há como descrevê-lo (o corpo) sem abusar deles (dos adjetivos).

E de que modo se movia, como um predador selvagem, lento, preciso, à esgueira da presa fácil em que ela fazia questão de se transformar.

Talvez nisso consistisse a estranha magia. Racionalmente, ela enxergava com clareza que em nada ele poderia atender aos seus anseios. Não havia a ínfima possibilidade de construir um diálogo interessante. Nenhuma chance existia de uma valorosa troca de experiências culturais.

Instintivamente, porém, cada parte constituinte de seu sistema reprodutor insistia em indicá-lo, em clamar por sua presença.

E, por alguma razão que ela jamais saberia explicar, aquele ser bruto, ignorante, grosseiro, conseguia enxergar além de toda a construção social que ela carregava. Suas defesas, suas máscaras, seu cinismo, suas armas de sedução. Assim, quando todos achavam graça em saber que ele a via doce e terna, ela se admirava, e até se assustava, em perceber que ele, de fato, a via como ela era.

Enfim, ela já não pretendia justificar nada. Deixava-se levar pela inebriante sensação de não precisar fingir, posar, parecer, pretender. Nada o incomodava, nem tampouco diminuía seu incomensurável apetite por ela. Nem mesmo suas faces mais grotescas, seus defeitos mais ridículos, suas vergonhas, suas inseguranças mais patéticas.

Metia a cara entre seus seios, seus cabelos, suas pernas. Escarafunchava seus segredos. Ela simplesmente não se importava. E dessa extraordinária despreocupação irrompia uma volúpia inédita.

Que maldito hipócrita seria capaz de apontar a ela a culpa de fazer nutrir no peito do jovem varão um amor intenso e não correspondido?

Quem, além dela mesma?
"shame, shouldn't try you, couldn't step by you
and open up more
shame, shame, shame" (Matchbox Twenty - Shame)