quarta-feira, abril 09, 2008

10.000 a.C. - a verdade

A atmosfera estava carregada de eletricidade e se agitava violentamente. O som dos trovões se espalhava no ar de forma aterrorizante. O granizo batia com força nas pedras, e os relâmpagos iluminavam todo o interior da caverna, tornando visíveis os rabiscos das paredes.


Ela andava de um lado para o outro, preocupada e amedrontada. Onde ele poderia estar? Talvez tivesse despencado de um penhasco, ou sido pisoteado por um mastodonte, ou devorado por uma pantera... Ela já derramava lágrimas, desesperada. Por que ele precisava ser tão obstinado? Por que não a ouvia nunca? Não obstante a limitadíssima capacidade intelectiva característica de seus cérebros, todos sabiam que não era tempo de caçar.


Ela havia usado de todos os seus encantos na vã tentativa de dissuadi-lo. Ele, como sempre, respondia com urros incompreensíveis, enquanto batia os punhos cerrados contra o peito. O que mais ela podia fazer, afinal?


Quando o conheceu, acreditou que ele fosse diferente dos outros. Um artista... Tão lindos os desenhos que ele fazia nas paredes. Devia era ter ouvido os conselhos da mãe, que avisou: “Desde o Australopithecus até o de Neanderthal, minha filha, sabe qual a diferença? Nenhuma! Homem é tudo igual!”. Mas não quis escutar...


Amanheceu e a tempestade teve fim. Ela estava exausta. Nem por um minuto havia conseguido repousar. Da entrada da caverna, avistou animais mortos e a vegetação destruída. Seu coração estava apertado.


Muitas horas depois, surgiu o indivíduo. O couro de animal que lhe servia de veste estava surrado. Fragmentos de pedras e ramos despontavam no meio da cabeleira. Sua pele cheirava a carniça podre. Ou seja, à primeira vista, nada de muito diferente. Parecia o mesmo javali imundo de sempre. Ela quis saber por onde ele tinha andado, com quem estava, porque sumiu por tanto tempo. Ele rastejou pelo chão imitando o bramido de uma fera supostamente abatida, da qual ele não trouxe sequer a carcaça.


Possuída de profundo rancor, ela tentou de toda forma fazê-lo entender o quanto ele a magoava e preocupava com aquele comportamento inaceitável. Se continuasse daquele jeito, ela teria que voltar para a caverna dos pais. Porém, ao observar os pequenos olhos dele que não conseguiam se desviar dos seus peitos, estagnados sob a enorme crista orbital na fronte do crânio avantajado, a boca que ele não conseguia manter fechada porque a língua era muito grossa e as unhas compridas coçando a cabeça, ela podia perceber que seria mais facilmente entendida por outros primatas - aqueles que se balançavam pendurados pelos rabos nos galhos das árvores.


Tomada de profundo desânimo, ela saiu em busca de algo que lhe matasse a fome, já que nem isso o incompetente foi capaz de fazer.


Ao cair da noite, seus apelos foram inúteis. O safado mais uma vez saiu, de tacape em punho, sem hora pra voltar. Ela já nem sabia mais há quantas luas o seu homo erectus não comparecia.


Para piorar a situação, a fogueira apagou. Ela até poderia dar um jeito naquilo sozinha, mas estava tão cansada... Caminhou até a caverna mais próxima e pediu ajuda. O vizinho era tão peludo quanto prestativo. Acendeu a fogueira e acabou passando a noite. E muitas outras depois.