quarta-feira, maio 20, 2009

Verdades inconvenientes sobre o amor

Depois de 14 séculos sem dar sinais de vida, aqui estou, erguendo-me das profundezas de minha catacumba, com o objetivo exclusivo de trazer um pouco de alegria para vossos dias, abandonadíssimos caríssimos leitores.

Muito tem me perturbado a falta de idéia sobre o que escrever. Não quero falar de crise, de falta de dinheiro, dos infortúnios diários de uma jovem advogada mal-remunerada. Vontade zero de discorrer sobre as chatices da vida.


Tenho tentado escapar desse desejo intenso que toma conta do meu ser, mas não tem jeito mesmo. Vou ter que falar de amor. Mas, calma. Não vou lançar aqui um belíssimo texto que, acompanhado de umas imagens bem clichê (um botão de rosa, um pôr-do-sol, uma criança sorrindo, a lua cheia) e uma música da Celine Dion, daria um belo de um arquivo .pps de uns 2 Mb.


Não, amigos. O que vocês vão presenciar dentro de instantes são verdades sobre o amor que não se costumam bradar por aí. Coisas que quem ama sabe, mas tem vergonha de dizer.


Verdades inconvenientes sobre o amor.


  • 1ª: O AMOR É BREGA.


Simples assim. Um dia eu contei isso para um amigo e ele ficou extasiado, com a maior cara de quem havia sido agraciado com uma epifania. Gente, o amor é brega!


Olha só, quando a gente ama, faz todas aquelas coisas ri-dí-cu-las que antes costumava criticar, que embrulhavam o estômago, davam ânsia de vômito. Exemplos? Aquele abraço na escada rolante, o beijo prolongado no semáforo que faz o motorista do carro de trás buzinar loucamente, o beijo de esquimó no cinema, no meio do filme. Ir ao parque zoológico no domingo à tarde, tirar fotos em tudo quanto é ponto turístico da cidade em que mora (aqueles lugares jacus que a gente não agüentava mais nem ouvir falar). Por mais que a gente ache tosco, patético, o fim do mundo, de vez em quando escapa uma frase com voz de criança, é difícil evitar. A gente faz manha.


E o quão comuns são aqueles apelidinhos detestáveis? Mas tudo que é dito na voz melosa do ser amado soa como música aos nossos ouvidos. E o sinal mais evidente e incontestável de que o amor é a coisa mais brega de todo o universo, mais brega do que um filho do Amado Batista com a Kátia Cega, são justamente as músicas românticas. Fala sério, ninguém sabe falar de amor melhor do que os cantores bregas!


Não é à toa que a Maria Bethania regravou “É o amor”, de Zezé de Camargo e Luciano. Qualquer pessoa que já amou nessa vida (não precisa nem ser amor romântico, pode ser por um filho, pela mãe, pelo cachorro) sente em algum momento que faltam palavras pra expressar um sentimento tão perfeito... E quem foi, justamente, que imortalizou essa sensação de “o gato comeu minha língua”, se não o Rei Roberto? Ah, fala sério, se você não concorda com isso, é porque não tem amor no seu coração: “Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer... Como é grande o meu amor por você!”...


E não pense que só o romântico brasileiro tem essa tendência à pieguice. Pegue as mais lindas músicas estrangeiras que falem de amor e traduza a letra para o português... Pense em “Love me tender” (Elvis) cantada em português...


"Me ame com ternura,
Me ame com doçura,
Nunca me deixe partir.
Você tornou minha vida completa,
E eu te amo tanto".


Fala se não é perfeita pra ser cantada pelo Fábio Junior? E que tal “Everybody loves somebody” (Dean Martin)?


"Todo mundo ama alguém de vez em quando
Todos se apaixonam de alguma maneira
Algo em seu beijo me disse
Que meu 'de vez em quando' é agora"


Podia até virar sucesso na voz do cantor Belo (um grande dum falsário, haja vista que não é nem uma coisa nem outra).


Lembre-se das medonhas versões tupiniquins de sucessos internacionais (no momento, a velhota aqui só consegue lembrar de canções dos anos 80), como “Mordida de Amor” (Yahoo), versão de “Love Bites” (Def Leppard), “Anjo” (também do tal Yahoo, que desapareceu com a mesma rapidez com que surgiu no cenário musical da década de 80), versão tosca de “Angel” (Aerosmith), ou ainda a famosíssima “O amor e o poder”, da Rosana (quem não se lembra do refrão: “Como uma deusaaaaaaaaaaaaaaa você me mantém”?), versão de “The power of love” (nem sei quem é o autor da desgraça em seu idioma original). Tem também umas abominações cometidas versões gravadas por Sandy e Junior, Pepê e Neném, Leonardo e outros de que, no momento (GRAÇAS A DEUS) não me lembro.


O fato é que as letras podem soar ridiculamente melosas; a música, os arranjos, e o intérprete, na maior parte das vezes, também não ajudam. Mas não dá pra negar que, no momento em que nos apaixonamos ficamos mesmo levemente retardados e aquela breguice toda faz o maior sentido. Ai, ai, o amor é lindo brega!


  • 2ª: O AMOR É EMBARAÇOSO.


Bom, eu não sei como é que rola aí no seu cafofo, mas aqui no meu pedaço, amor não existe sem intimidade. Amor necessariamente abrange o elo que une duas pessoas, que as torna mais que amantes: cúmplices, parceiras, companheiras, amigas, sabe como?


É aí que o amor se torna algo altamente constrangedor. Quando, por exemplo, seu namorado liiiiiiiindo de tudo, que sempre levanta mais cedo que você, aparece no quarto todo cheirosinho, carregando uma bandeja com o seu café da manhã. Sim, queridos, aqui em casa o serviço é VIP. Nesse momento, você reza pra ser verdade o que dizem sobre o amor ser cego... Afinal de contas, às 11 da manhã de domingo, com a cara inchada de tanto dormir, a franja arrepiada dando um ar de cacatua, as pálpebras superiores coladas nas de baixo, você meio japonesa sorri discretamente, agradece e diz “eu te amo” assim, meio de lado, porque dá pra imaginar que o bafon não será vencido apenas com alguns goles de Ades. Bem, a essas alturas, você reza para o amor não ser apenas cego, mas também pra que ele não tenha olfato. Altamente embaraçoso.


Mas há ainda outros momentos em que o amor, com toda sua aura de inconveniência, muito delicadamente derruba a gente do nosso pedestal de perfeição e espatifa nossa face outrora tão bem maquiada. Assim, mais cedo ou mais tarde, seja em casa, num motel ou numa viagem, vai acontecer de um dos dois entrar no banheiro logo após o outro ter saído e deixado no ar aquele aroma distinto do da casa do Pedrinho. Sim, sim, a intimidade nos força à desagradável realidade: apaixonamo-nos por alguém que tem – oh, não, tudo menos isso! – INTESTINOS!!! Péssimo. Não dava pra passar a vida ignorando esse detalhe desagradável?


Bem, a maior parte dos homens não encana tanto com isso não (é da natureza masculina ver as funções fisiológicas como uma coisa... natural! Que despautério, imagina só!). Mas é claro que o gênero feminino, muito mais sujeito a todo tipo de surto psicótico e alienação mental, sofre demasiadamente tentando convencer o companheiro de que ele está se relacionando com uma espécie de organismo cibernético não acometido por necessidades fisiológicas. Não importa o quanto ela coma, aquilo tudo é processado de um modo extraordinário e eliminado em forma de um perfume adocicado que ela exala pelos poros. Aquela feijoada toda de sábado à tarde é um mistério da natureza: simplesmente se desintegra no estômago da linda donzela, sem restar qualquer espécie de resíduo. Sim, querido, não se incomode com os sons assombrosos que você ouve ao encostar a cabeça no ventre da amada, enquanto assistem à TV. Isso é só o amor que corre pelas entranhas dela. Ai, cara, o amor é super embaraçoso.


  • 3ª: O AMOR É SUPERLATIVO


O amor não aceita moderação. Não enxerga tons sóbrios, não compreende temperança. Não dá pra escrever um texto comedido sobre o amor. Em algum momento a euforia arrebatadora toma conta do autor, que lança mão de seguidas exclamações no intento de expressar a magnitude de seu sentimento!!! Ah, lá, falei! Mas não é só isso. Acontece que a gente sofre daquele mal descrito pelo Roberto, ai de mim, que me faltam palavras!


O amor é um crescente e, portanto, assim o são suas manifestações. Primeiro é aquele arrepio só de encostar, as borboletas ensandecidas no estômago, a boca seca, o pavor de não ser correspondida. A paixão. Numa tarde qualquer, você ouve da boca dele, pela primeira vez, a palavra “namorada”, pertinho do seu nome. “Essa é a minha namorada”. Uma palavra simples, que você já ouviu tantas vezes antes, mas nunca havia causado esse efeito tão impressionante. Você finge naturalidade, talvez até bem o suficiente para que as outras pessoas não consigam enxergar a festa que está rolando dentro de você. Seus pés podem até estar fixos no chão, mas você sente como se estivesse saltitando.


Numa outra tarde dessas em que a gente nem imagina tudo de bom que a vida pode oferecer, ele vira pra você, no meio do filme, deitado na cama, os olhos doces vidrados nos seus e diz pela primeira vez: “ei, sabia que eu te amo?”. Aí você, que nem é fã de Carnaval e nunca esteve num sambódromo, subitamente tem a certeza de que está rolando todo um desfile dentro do seu peito, carros alegóricos, baiana rodando, bateria explodindo, coração parece que vai escapar pela boca de tanto que pula. Sua voz sai toda tremida, embora você esteja dizendo aquela frase com uma certeza nunca dantes sentida: “e eu amo você!”.


O tempo vai passando e você nunca se cansa de ouvi-lo dizer qualquer uma das frases lindas, intensas e plenas de sentido que só ele diz pra você. Cada vez que ele diz que você é a mulher da vida dele, que ele a ama mais que tudo, que vai amar você pra sempre, o resultado em você é um misto de alegria, plenitude e emoção que embarga a voz. Vez por outra uma lagrimazinha até brota, marota, enquanto em silêncio você agradece por ser tão feliz. E você quer então retribuir aquele sentimento.


Só dizer “eu te amo” não satisfaz a sua ânsia desenfreada de fazer o seu amor se sentir amado. Você quer mais: quer que ele acorde todos os dias com a certeza plena de que é o cara mais amado do mundo. Aí pronto, abre-se a porta para o superlativo e não há mais como escapar dele. O meu amor não é só lindo, ele é o MAIS LINDO DO MUNDO. E eu não apenas o amo, eu o AMO MAIS QUE TUDO. E não o amo somente hoje, mas PARA TODO O SEMPRE. E só palavras não bastam, são também os gestos que ficam cada vez maiores, mais intensos, mais carregados de significado. É a presença cada vez mais constante, mesmo quando não posso estar junto com ele. É que eu não apenas sou dele: sou todinha só dele e de mais ninguém. Não porque eu faço muito por ele, mas porque eu faço tudo! Qualquer coisa pra vê-lo feliz! Porque é ele quem me faz a mulher mais feliz e apaixonada de todo o Cosmos. E porque quando eu já tenho certeza de que o meu amor é o maior que pode existir, tcharam, adivinha? Não é que aumenta mais ainda? E sabe o que mais? É tudinho verdade, sem um pingo de exagero.


  • 4ª: O AMOR É PERIGOSO


Consideremos que você seja um cidadão consciente, responsável, que nunca tenha sido condenado criminalmente, que seja uma pessoa coerente, do tipo que calcula os riscos e não se mete em enrascadas. Que você se cuide, não dirija embriagado, use preservativos, evite fumar, tenha uma alimentação saudável, não use drogas nem abuse do álcool, pratique exercícios. Que você não se meta em brigas, seja um pacifista, ecologista e não tenha inimigos.


Mesmo que você não some todas essas características, mas seja possuidor de somente algumas delas, é preciso admitir que o amor pode virar seu mundo de cabeça para baixo. Sim, é preciso ter coragem para se arriscar na seara de um sentimento que torna você capaz de absolutamente tudo em favor da pessoa amada. Antes do amor, você é uma pessoa prudente, você pensa muito bem antes de cometer uma bobagem. Depois do amor, você simplesmente não pensa. Pelo menos quando o que está em jogo é o amor da sua vida... O único jeito de se manter em segurança é amar alguém que também seja coerente, responsável, que não se meta em enrascadas nem exija de você sacrifícios extremos.


Nem mesmo isso serve de garantia, mas pelo menos diminui o risco de você se tornar um delinqüente apaixonado, ou de seu nome ir parar nos cadastros dos serviços de proteção ao crédito, só porque sua gatinha fez beicinho e pediu pra fazer o financiamento de uma X5 no seu nome, já que ela não tinha limite de crédito, ou de acabar no hospital após tirar satisfações com um cara com o dobro do seu tamanho porque ele olhou pra sua namorada, ou qualquer outra burrice do estilo.


  • 5ª: O AMOR É IRRESISTÍVEL


É provável que essa seja a característica mais temível do amor. Assim que temos uma mínima amostra do que esse sentimento nos reserva, estamos imediatamente dispostos a correr todos os riscos inerentes a ele.


Nada obsta o sentimento. Posso pagar mico, perder a noção, ter minhas faculdades mentais comprometidas e não saber mais me portar socialmente. Posso falar bobagem, cantarolar em momentos inapropriados, suspirar diante de um retrato, rir à toa lembrando de uma conversa. Posso fazer uma série de renúncias – sorrindo. Posso enfrentar perigos, encarar desafios, vencer dificuldades. Posso superar cada vez mais a minha própria criatividade e encontrar novos meios de amar, de demonstrar afeto, de fazer meu amor se sentir amado como eu me sinto. Posso escolher qualquer lugar, mas nenhum será tão bom quanto aquele em que ele está.


Só não posso mesmo deixar de amar, porque o amor é assim, sabe? Absolutamente irresistível.