quarta-feira, setembro 12, 2007

Felicidade? É você?

Foi um momento. Um momento só de atenção. Uma estranha sensação invadiu os espaços vazios do meu coração, e por alguns instantes deixei de sentir medo, mágoa, raiva ou dor. Tomada de surpresa, compreendi: era a felicidade, em sua plenitude, fazendo-me uma breve visita, somente pra que eu acreditasse, enfim, na sua existência.

Por alguma razão, cruzou minha memória a lembrança daquela fórmula pronta de último capítulo de novela: casamento, filhos, festas, alguma mulher sempre tem que parir gêmeos, os maus são punidos, os bons são recompensados e vivem felizes para sempre. Subitamente percebi o quão frustrantes são finais felizes. Por que tudo tem que acabar logo que fica bom?

Os vilões passam todo o enredo se refestelando em suas maldades, fazendo escárnio das leis, motejando dos princípios e valores morais, e encontram punição somente num episódio final, em que a mortificação jamais parece suficiente para satisfazer o sadismo de quem esperou por tanto tempo que eles recebessem o castigo merecido.

Os cidadãos de respeito, por sua vez, desenvolvem toda a trama com suas dores, seus segredos, suas angústias, à espera de uma felicidade prometida apenas para o momento derradeiro. E quando, enfim, a tal felicidade chegar, o que é que se faz dela? O que acontece no dia seguinte ao do “final feliz”?

A Princesa cansa de cavalgar e exige que o Príncipe Encantado compre um automóvel? Os sete anões morrem de doenças provocadas pela inalação de poeira nas minas em que trabalhavam? A Bela Adormecida sofre de Síndrome do Pânico e só consegue sair do quarto sozinha depois de muita terapia e Prozac? Será que o mocinho da comédia romântica continua achando lindo o jeitinho atrapalhado da sua protagonista, ou começa a chamá-la de desajeitada insuportável enquanto pensa na secretária gostosa? Bridget Jones, mais uma vez desiludida, chega aos 230 kg e os bombeiros têm que quebrar as paredes do apartamento para remover seu cadáver da banheira, onde ficou entalado por dias antes que os vizinhos sentissem o aroma putrefato de suas carnes?

Por que será que é tão difícil acreditar na felicidade constante? Simples: porque ela não existe! Fomos todos ludibriados, levados a crer na felicidade como um prêmio que nós, gente boa, honesta e trabalhadora, devemos receber algum dia como recompensa por nossos esforços, por nosso valor. Por não termos sucumbido ao lado negro da força, por não termos desistido, surtado, largado os bets, chutado o balde, calçado definitivamente as pantufas de jaca e abandonado o tripé trabalho-família-religião pra viver como hippies promíscuos desinformados e hereges.

Mas e aí? Se esse prêmio quiçá nos for entregue, saberemos o que fazer com ele? Não obstante a imensa probabilidade de que essa tal recompensa seja um engodo sem tamanho, consideremos o que aconteceria se esse provável mito correspondesse à realidade.

Em primeiro lugar, é necessário considerar a falta de prática. A maior parte das pessoas leva toda uma vida à base de cacetadas, desilusões, decepções, momentos difíceis em que os nervos são exasperados e os limites da força e resistência humanas são testados e desrespeitosamente transpostos. As dificuldades e surpresas desagradáveis são incontáveis, permeados de poucas alegrias que estampam as fotografias.

Por que razão eu haveria de crer que, repentinamente, essas pessoas estariam habilitadas a viver de uma forma completamente avessa à que se habituaram? Imagine se desde a infância eu tivesse sido submetida a uma rotina em que tudo de lúdico fosse proibido, e só aos 48 anos de idade eu ganhasse de presente de Natal aquela bicicleta Ceci, azul, com rodinhas e cestinha. Como eu ia poder – e saber – brincar com aquilo?

É tolice pensar que a administração da felicidade não requer prática nem tampouco habilidade. Não depois de tanto tempo de incursão ao mundo do sofrimento, quando já temos muito mais facilidade em tolerar a dor do que o amor.

E é por isso que não faz sentido algum esperar pela felicidade, porque ela vem e volta tantas vezes sem que percebamos, imersos no manto da rotina. O constante contentamento, isento de capacidade de contestar, não é felicidade, é fluoxetina.

Ser feliz mesmo, acredito, é encontrar em mim um lugar de paz, um reservatório de uma substância mágica que me faz regenerar cada pedaço mutilado de coração, que me faz voltar à vida toda vez que morro no meu travesseiro, que me faz, apesar de tudo, sorrir de novo.

Não é todo o tempo, nem está pra chegar, num futuro longínquo, como um presente dos céus. Mas talvez eu possa aprender a administrar meu quinhão de felicidade. Ser feliz, talvez, seja questão de hábito. Quem sabe até eu possa fazer crescer, gerar frutos, durar... Pra sempre.