quinta-feira, março 20, 2008

Breve ensaio acerca dos efeitos do álcool na vida social

Acredito que a maior parte dos meus leitores possua um conhecimento razoável acerca dos efeitos do consumo de bebidas alcoólicas, seja por experiência ou por observação.

Assim, praticamente todo mundo sabe que bêbados são uma fonte inesgotável (ao contrário das garrafas) de histórias divertidas. Para mim, que tenho a tendência natural de me envolver em situações embaraçosas e constrangedoras, nunca faltou rica matéria prima para relatos do gênero, independentemente do uso (ou abuso) de substâncias psicoativas.


Quando o álcool entra em ação, então, os resultados são tragicômicos.


Assim, a partir de experiências por mim vivenciadas e/ou presenciadas, traço este breve ensaio acerca dos efeitos do álcool na vida social, deixando claro que não se pretende aqui, de forma alguma, exaurir o tema.


Efeito nº 1: magia da noite.

A noite não parece nada promissora. A música é ruim, as pessoas são feias e você está de mau humor. Três doses de tequila depois, tudo parece muito mais divertido do que você poderia imaginar. É a magia da noite.

Convém não abusar, sob pena de incorrer em efeitos desagradáveis nas fases posteriores à da euforia. Bêbado inteligente sempre sabe a hora de parar (é o que dizem).


Efeito nº 2: teletransporte.

O indivíduo se encontra num determinado local. Apenas para facilitar a construção de uma imagem mental, descreverei o ambiente e a situação (hipoteticamente, é claro): é uma festa de aniversário, numa sexta-feira, talvez. No Taj, por exemplo. Algumas garrafas de vodka são oferecidas aos convidados pelo aniversariante. A noite se desenvolve normalmente, numa seqüência de eventos ordinários, até que, de repente, o indivíduo se dá conta de que foi teletransportado para uma fila quilométrica na entrada de uma boate, às 2 horas da manhã, com uma velha amiga e dois desconhecidos novos amigos. Justamente numa noite em que o indivíduo pretendia estar em casa cedo. Absolutamente inexplicável.


Efeito nº 3: perdão instantâneo.

Esse efeito é observado mais comumente em indivíduos do sexo feminino. Trata-se simplesmente da capacidade que a pessoa adquire, após a ingestão de determinada quantidade de álcool, de esquecer todo o mal que lhe foi causado, abandonar sua justificadíssima resolução de jamais perdoar tamanha falta de respeito, e de repente lembrar-se exclusivamente de momentos lindos e cair nos braços do crápula que jurou nunca mais beijar nessa vida. Importante esclarecer que o perdão etílico não tem nada a ver com o ato de misericórdia encorajado pela doutrina cristã e outras religiões. É apenas um momento de estupidez que dá um charme todo especial à ressaca moral no dia seguinte.


Efeito nº 4: embelezamento progressivo.

Uma das conseqüências mais populares da embriaguez. O sujeito chega a um lugar e só encontra pessoas de aspecto nem um pouco atraente. Uma exposição de horrores num circo bizarro. Com o passar da noite (e o sorver dos goles), uma inesperada formosura começa a despontar nos rostos e corpos que o cercam. E quanto mais se bebe, mais lindas as pessoas ficam. Existem relatos de decepções profundas, sustos aterrorizantes e traumas insuperáveis ocorridos ao amanhecer.


Efeito nº 5: idéias estúpidas.

Esse campo é extremamente vasto. Ocorre que o sujeito, impelido pelo baixo nível sangüíneo de sua corrente alcoólica, adquire admirável aptidão para a elaboração e concretização de planos imbecis. Mas não é só isso: se um ébrio tem uma idéia estúpida, mas lhe falta coragem ou sobra inteligência para executá-la, sempre haverá um amigo embriagado disposto a colocar a idiotice em prática. Exemplos:

a) “Que tal a gente subir naquela árvore?”, pergunta uma bêbada. A outra responde: “segura meus chinelos”, enquanto escala o tronco, na madrugada do primeiro dia do ano.

b) a pessoa acorda acometida de todos os sintomas de uma forte ressaca. Pode partir dela mesma ou de outro gênio do alcoolismo a brilhante idéia: “e se eu continuar bebendo?”. Claro, se você beber para sempre, jamais terá ressaca, e isso é, sim, fisicamente possível.

c) numa noite fria, alguém lança a notável sugestão: “Vamos pular na piscina?”. O autor da idéia permanece quentinho no sofá da sala enquanto o indivíduo embriagado e estúpido que lhe deu ouvidos congela sozinho na água.


Efeito nº 6: derrocada dos estereótipos.

Um dos resultados mais belos da ingestão de (muito) álcool é o fato de tornar as pessoas livres de preconceitos. Aquele cara imbecil que você detesta, de repente parece tão gatinho... Você nunca gostou de gordos, mas só porque você nunca tinha visto um gordinho tão sexy quanto esse rebolando na pista. Aquela biscate interesseira que fala mal de você pelas costas está bebendo a sua vodka e você pensa que, talvez, no fundo, ela seja uma boa pessoa. Anos de experiência conduzem ao autocontrole. Portanto, com muita prática, você consegue se livrar do sentimentalismo e – ufa! – ser um bêbado preconceituoso (em alguns casos, apenas minimamente criterioso).


Efeito nº 7: sinceridade involuntária.

Existe uma comunidade no orkut que retrata essa realidade: “A bebida entra e a verdade sai”. Todas as travas na língua se desprendem. Paixões reprimidas são reveladas, antigas mágoas são trazidas à tona, confissões inimagináveis são feitas. Exemplos:

a) “Amiga, tenho que te falar a verdade. Fui eu que espalhei pra faculdade inteira que você deu pro professor de sociologia e que ele te passou chato, espero que possa me perdoar”.

b) “Cara, na boa, eu não sei mesmo onde tava com a cabeça, mas eu comi tua namorada no dia do teu aniversário, foi mal!”.

c) “Na verdade eu nunca consegui perdoar aquela vez, na quinta série, quando você sugeriu que eu fizesse o saque por cima na final do campeonato de vôlei... Você sabia que eu só conseguia sacar por baixo, e perdemos a medalha de ouro só porque eu fui te escutar”.

d) “Pedro, eu sei que somos amigos de infância, jogamos futebol no mesmo time, você me considera um irmão... Mas não posso mais esconder meus sentimentos, eu te amo, eu te quero, cara!”.

Em bêbados mais primários, esse efeito costuma ser acompanhado de choro convulsivo.


Efeito nº 8: inabilidade com objetos simples e perda da noção espacial.

Pessoas embriagadas têm por hábito esbarrar, tropeçar, derrubar coisas e, por que não? Cair. Além disso, a execução de tarefas corriqueiras pode parecer extremamente difícil, e objetos simples despertam grande perplexidade. Exemplos:

a) tomar um gole de Smirnoff Ice e, antes de conseguir engoli-lo, rir de alguma bobagem dita pela amiga e babar tudo na blusa, bem na frente do cara que você achou gato, causando comoção na garçonete que, gentilmente, oferece um canudinho (hehehe);

b) acender o filtro do cigarro e, depois de refletir por alguns instantes, concluir que não deveria ter jogado o cigarro fora, porque o certo é acender o filtro mesmo (não me pergunte qual foi o raciocínio que conduziu a uma conclusão tão lógica);

c) tentar abastecer o copo com energético e segurar a lata pelo lado errado, derramando todo o líquido dentro do baldinho de gelo.

d) derrubar um quadro da parede do bar com a própria cabeça, enquanto beija o cara mais gato da balada (o quadro quica no seu dedinho antes de parar embaixo de uma mesa).

e) sentar no encosto de um sofá e cair com as pernas pra cima dentro do camarote de pessoas desconhecidas.


Efeito nº 9: amnésia.

Um dos mais famosos e controversos efeitos do álcool. Muita gente duvida que realmente aconteça. “Isso é desculpa”, afirmam. Eu digo que se você não crê na possibilidade de o álcool apagar da memória partes de uma noite ou mesmo a noite toda, é porque não bebeu o suficiente. É uma situação triste. Acordar no dia seguinte a uma bela farra e, além da dor de cabeça e do eventual enjôo, ter que lidar com informações recebidas de amigos, que simplesmente não se encaixam em nenhum resquício de memória. E a dúvida “será que eu liguei para alguém?” é uma das mais aterrorizantes. Oito tipos de medo transpassam o peito do pobre ébrio enquanto ele busca os registros no aparelho celular. O que me leva ao 10º e último efeito relatado nesse ensaio.


Efeito nº 10: uso irresponsável dos serviços de telefonia móvel.

O pior dos efeitos do álcool não ocorre sobre as pessoas que o ingerem, mas sobre os telefones celulares dessas pessoas. Os aparelhos subitamente adquirem incomensurável potencial bélico. Bastam uns goles a mais, e grande parte da população de embriagados é tomada por um incontrolável desejo de destruir sua vida social através de um simples telefonema ou de uma mensagem de texto. Parece haver uma lógica por trás de todas as atitudes absurdas e/ou desesperadas: dizer que ama o ex-namorado, perguntar pro cara que não vê há meses se ele já a esqueceu, flertar com um amigo, enviar uma mensagem idêntica para 8 caras só pra ver quem responde primeiro. É evidente que essas repentinas manifestações de sentimentos costumam ser muito bem recebidas por quem atende ao telefone às 4h30min da manhã.


Aliás, aproveito a oportunidade para manifestar a minha indignação diante do descaso das autoridades. Todos os dias se vêm campanhas por toda parte alertando para os riscos de dirigir depois de beber. Por que ninguém se preocupa com os bêbados que destroem suas vidas ao telefone sob efeito do álcool?


Ciente do meu papel de agente na sociedade, faço a minha parte, alertando: SE BEBER, NÃO TELEFONE. SE FOR TELEFONAR, NÃO BEBA.

Felizmente, existem empresas dotadas de consciência social, preocupadas em amenizar os danos que a combinação álcool + celular é capaz de causar na vida das pessoas. É o caso de grandes empresas, atuantes no ramo da telefonia móvel, que estão desenvolvendo o que pode ser a salvação dos bêbados telefonadores, também conhecidos como suicidas sociais: um aparelho celular com bafômetro. Muito mais eficiente do que pedir para as amigas guardarem o celular pra você, porque elas simplesmente colocam o aparelho na bolsa e você consegue recuperá-lo na primeira ida delas ao banheiro. Hunf.


Por fim, zentsi, por favor, lembrem-se de que beber não é a resposta, mesmo que você já tenha esquecido a pergunta.


Beijinhos.