quarta-feira, julho 02, 2008

Gato escaldado tem medo de água fria.

No mês de maio escrevi um texto direcionado a mulheres com mania de se apaixonar ("Sad, sad song"). Não falo daquela coisa saudável de se entregar a um sentimento correspondido, mas do hábito de enxergar em qualquer novo gatinho um príncipe em potencial, de se iludir, imaginar qualidades que não existem, e, quase invariavelmente, terminar decepcionada, frustrada, triste. Trata-se, como diria Fafá de Belém, de viver inventando paixões pra fugir da saudade. Mas, depois da cama, a realidade...


Não foi difícil encontrar matéria prima para o texto. Eu também já cansei de inventar paixões. Já faz muito tempo que eu tenho uma lista de critérios que considero essenciais num homem. E faz muito tempo, também, que ignoro essas características básicas pra tentar enquadrar nos meus sonhos alguém que simplesmente não cabe ali, dá pra ver de longe.

Vamos à listinha: ele deve ser inteligente, honesto, fiel, carinhoso, trabalhador, cheiroso. Não precisa ser lindo, mas tem que me despertar atração física e ser um pouquinho tarado. Na medida certa, sem jamais me faltar com o respeito. Precisa gostar de crianças e de animais, respeitar os velhinhos e amar a família. Deve adorar o jeito que eu escrevo e admirar minhas virtudes. Tem que dirigir bem. Do jeito que eu e minhas amigas sempre comentamos que um HOMEM deve dirigir. E tem que saber cuidar de mim.

Claro que existem tantas outras coisas que podem me encantar (barriga de tanquinho, braços fortes, tocar violão, cantar, saber dançar, vestir-se bem, cozinhar, escrever bem, whatever), mas isso é tudo supérfluo. São características que, quando existentes, agregam, mas sua falta é superável.

Exemplo: posso conviver com um cara que tenha um gosto musical duvidoso e use regata (desde que apenas em situações sociais que comportam essa vestimenta horrorosa – vide “Coisas que me irritam - (1ª parte)”). Mas não posso tolerar um homem sem caráter.

Construí essa imagem a partir de certos homens que eu conheço (meu tio, meu padrinho, pais de amigas minhas), já que eu nunca tive a sorte de uma figura paterna que me inspirasse admiração profunda. Sabe aquele cara que ama a família acima de tudo? Que, não importa o tamanho do problema, sempre dá um jeito na situação? Que jamais vai deixar os pais, a mulher e os filhos desamparados? É um cara assim que eu quero do meu lado.

Olhando assim, pode parecer muita coisa, mas... Será mesmo? Ou será que o egoísmo, a falta de consideração e de respeito já se tornaram tão comuns aos nossos olhos que começamos a considerar que o básico já é pedir demais (pergunta retórica, não precisa responder, tá?)?

Incontáveis vezes eu me deixei conduzir pelo imperativo da natureza, que se utiliza de hormônios, feromônios e outros artifícios sórdidos para garantir a perpetuação da espécie. Gostamos de acreditar que é amor, uma coisa mágica, extraordinária e, ainda, que é escolha nossa. Balela. Não passa de mero instinto. Mas não deve ser à toa que somos dotados da capacidade de raciocínio, que pode muito bem ser aliada às características herdadas de ancestrais primitivos, que talvez escolhessem seus parceiros exclusivamente pelo cheiro e pela quantidade de pêlos (indica testosterona abundante).

É embaraçoso admitir que, tantas vezes, eu me permiti apaixonar por indivíduos que não tinham quase nada a ver comigo. Tantas vezes eu adaptei aquela minha listinha de critérios básicos pra fingir que o cara servia. “Ok, ele não trabalha, mas é tããão eloqüente, né? Olha só como escreve bem!”. Ou “honestidade não é o forte dele, mas pelo menos ele é muito gato”. Ou “ele não tem o mínimo de respeito pela mãe, mas até hoje nunca tentou me agredir”. Ou ainda “ele não é muito afeito aos hábitos básicos de higiene, nunca foi fiel a mulher alguma, exige todo o carinho do mundo e não dá nem metade disso, nem sempre me respeita, nem pensa em cuidar de mim, mas... Pelo menos é bom de cama”. Ou “seu desempenho na cama é medíocre, ele nunca lê meus textos e não sabe me dar valor, mas... Mas...”. É... Às vezes fica difícil até pra uma mulher cega de paixão justificar as debilidades de um homem.

Claro que alguém pode achar que estou pedindo mais do que mereço, mas quem aí vai ter coragem de dizer que não sou inteligente (é óbvio que comentários nesse sentido jamais serão publicados, hehehe)? Eu trabalho, sou honesta, carinhosa e fiel mesmo antes de firmar um compromisso. Minha postura no mercado de ações é prudente, espero retorno das minhas aplicações, mas não gosto de diversificar meu portfólio de investimentos.

Mais: qualquer pessoa que dê uma fungada aqui no meu cangote sabe que também sou cheirosa. Posso não ser linda, mas atração física é algo muito subjetivo, certo? Tarada eu sou um pouquinho mesmo, admito. Adoro crianças e animais, respeito os velhinhos e amo muito minha família e meus amigos. Admiro, incentivo e ressalto as virtudes do homem que chamo de meu. E sempre cuido bem de quem eu gosto. Faço surpresinhas românticas, preparo uma comidinha trivial, que é o máximo que meus dotes culinários permitem, faço massagem, preocupo-me com a saúde, o bem estar, e tantas outras coisas.

Então não venha me dizer que eu devo me contentar com menos do que eu ofereço, ok?

Cansei, gente. Cheguei ao limite da exaustão, após tantas vezes tentar me convencer de que eu podia aturar as deficiências no caráter de alguém apenas porque eu estava apaixonada. Ou porque, no fundo, ele era um “bom menino”. O problema é esse mesmo: cansei de meninos! Pouca diferença faz se é um mau menino, merecedor de castigo, ou um bom menino, que ganha presente do velho Noel.

Já chega de cuidar de meninos e relevar suas falhas enxergando um enorme potencial que jamais é colocado em prática. Porque os meninos, hoje em dia, demoram tempo demais pra crescer, não é verdade?

E depois de tantas decepções, acredito que aprendi mesmo a conter meu impulso primário de me apaixonar, de me entregar sempre como se fosse a primeira vez. Como disse R., comentando aquele texto que citei lá no primeiro parágrafo, “passamos dos 20 e vamos nos tornando um bando de semi-adultos ranzinzas e medrosos, né? Nos vinte e meios, totalmente escaldados. Um tanto deprimente isso”.

Pois é. Difícil dizer qual imagem é mais deprimente: uma criatura desesperada por se apaixonar por qualquer pessoa, pra suprir o vazio que é a falta de uma companhia; ou alguém amedrontado por fracassos pretéritos, que deixa definitivamente de apostar no sucesso de uma nova relação.

Eu ainda insisto em crer no possível equilíbrio. Entregar-me, porém com algum cuidado. Acreditar que alguém pode, sim, ser diferente dos que me desapontaram. Que pode ser especial e capaz de se encaixar nos meus critérios como são, sem que eu que eu precise elastecê-los ao ponto de deformar meus próprios sonhos. Pode, sim, ter defeitos toleráveis, e tolerar os meus defeitos.

Eu acredito (em duendes).

Ops. Acredito que as coisas podem dar certo, que duas pessoas podem ser felizes juntas, nem que seja só por um tempo. Acredito que, se não der certo, ainda dá pra manter a amizade, a consideração e o respeito. Ainda acho mais fácil (e menos doloroso) crer nessa possibilidade do que me conformar com a idéia de que todas as pessoas estão na guerra com o objetivo exclusivo de tentar satisfazer seus desejos insaciáveis, sem jamais sequer pensar nos sentimentos alheios.

Só que a voz da experiência me incentiva a encarar o inédito com cautela.

Já não mergulho de cabeça, porque geralmente as águas são turvas e os lagos são rasos. A tendência é rachar o crânio nas pedras.

Mas vamos sem pressa, sentindo na pontinha do pé se a temperatura da água está confortável... Parece que sim.

Gato escaldado tem medo de água fria. Mas, peixinho que sou, um dia ainda volto a nadar.

Beijos.