segunda-feira, outubro 23, 2006

Piada sem graça


Esta noite preciso lembrar-me de ir deitar antes das 2h54min. É esse o horário em que o passarinho psicótico começa a cantar. Já faz quase dois meses que o tormento começou. Comentei com minha mãe que era impossível dormir com aquele animal se esgoelando em frente à minha janela. Confiei na sabedoria de minha genitora sobre os mistérios da natureza quando ela me disse que devia ser uma fêmea no cio, chamando o seu parceiro. Logo o suplício deveria ter fim, portanto.


Nas noites que se seguiram, justamente naquele período de estresse de final de monografia, todas as noites eu, tomada de fúria cada vez maior, abria a janela e tentava descobrir em qual das árvores em frente ao edifício onde moro encontrava-se o amaldiçoado animal. Pensava eu: “qual o problema desses bichos? Por que não trepam de uma vez e calam o bico? Ou será que até entre os passarinhos está faltando macho em Curitiba?”


Passado todo esse tempo, já não creio mais na teoria do canto do acasalamento. Ou essa ave tem o período de cio mais longo do reino animal (insaciável!) ou - hipótese mais provável - ela não passa de mais uma artimanha do Cosmos naquele já há muito tempo revelado intento de testar minha sanidade e atazanar, ou seria mais apropriado dizer, espicaçar minha vida (algum leitor aí me acusa de paranóia? Hein? É isso? Paranóica é a mãe, viu? A sua, não a minha!).


Sim, só pode ser isso. Toda noite é a mesma coisa. Às 2h54min começa a apupada. Se você está imaginando o harmonioso canto dos pássaros, do tipo que comumente compõe o início de alguma faixa de um CD de relaxamento (a canção seguinte certamente começa com o som do mar, ou de uma cachoeira), pode esquecer. O animal não tem nada de zen. O alarme da minha garagem é mais melódico que esse bicho.


Já houve quem sugerisse, após saber do meu drama, o uso de um estilingue, espingarda ou qualquer coisa do gênero. Os ambientalistas que não me leiam, mas é óbvio que eu bem que gostaria de derrubar de uma vez por todas o ovíparo do galho em que ele se prostra todas as madrugadas com o incontestável objetivo de me torturar. O problema é descobrir qual é o galho.


Minha visão além do alcance não teve sucesso nessa tarefa, e o som produzido pelo animal é tão alto que não consigo identificar ao certo de que direção ele vem. Talvez se eu conseguir uma serra elétrica e derrubar logo o abacateiro, as duas palmeiras e os dois pinheiros a situação se resolva, mas sinto que posso ter problemas advindos de atitude tão radical... Não sei ao certo que tipo de problemas, mas possivelmente uma multa no condomínio, um processo judicial, uma prisão ou um internamento em hospital psiquiátrico.


Outra noite, pensei em simplesmente atirar pedras pela janela, a esmo. Evidentemente, jamais acertarei o alvo, mas talvez ele se assuste com o som do alarme do carro que eu fatalmente atingirei, e vá embora. Ou, com a minha sorte, talvez a passarinha assanhada pense que é o seu companheiro que finalmente responde ao seu chamado sexual, e cante com ainda maior vigor.


Talvez eu devesse simplesmente fazer como todos os outros moradores do prédio: dormir muito antes do início do insuportável crocitar, de modo a já ter atingido um estágio do sono em que o piado não mais possa me acordar. Entretanto, eu não vou ceder aos caprichos dessa ave insolente. Eu vou dormir quando eu quiser (e conseguir)!


Amanhã mesmo vou comprar tampões auriculares (num momento de desespero, quase meti pedaços de chicletes mascados nos ouvidos). E se isso não funcionar, talvez uma carabina.


Apenas me pergunto o motivo desse pássaro sem noção da realidade gralhar no meio da madrugada. Por que não faz como os outros de sua espécie e canta feliz ao romper da aurora? Por quê? Por quê?


Bem, já passam das duas, e ainda tenho que dar um jeito no meu quarto antes de dormir (parece que um ciclone passou por lá e devo demorar pra encontrar minha cama)... Só espero conseguir pegar no sono antes de, mais uma vez, atestar a infalível pontualidade do meu infortúnio de asas.


Uma boa noite para vocês.


Ps.: Depois de tanto falar da desagradável trilha sonora das minhas madrugadas, aqui vai uma dica excelente para quem gosta de boa música: visitem o blog do meu amor, Big Bad Music, e baixem os álbuns sensacionais que ele está disponibilizando. Eu recomendo.