Cada coisa tem seu tempo. Chavão. Tempo de plantar, tempo de colher. Clichê. Tempo pretérito, tempo vivido, tempo perdido, tempo de sobra, passatempo, tempo desperdiçado, tempo vindouro, aproveitar o tempo. Tempo. Tempo é quando, lugar é onde. Mas falar do tempo é lugar-comum.
Adentremos o estereótipo, então.
Paro às vezes e observo o confuso funcionamento do meu relógio biológico, engrenagens desdentadas, ponteiros desagregados, mecanismo desprovido de força motriz.
Reflito acerca do meu voluntarioso calendário interno, sempre a impor fatos em desordem anacrônica, contrariando a confortável lógica, conduzindo ao entorpecimento a semente de que deveriam irromper os primeiros brotos, e subitamente despertando vida no que parecia ser matéria orgânica passível somente de se transformar em adubo – na melhor das hipóteses.
Eu sou o elemento que se repete em diversos eventos caóticos que investigo. A única peça que se encaixa simultaneamente em tantos quebra-cabeças diferentes. A falha, portanto, deve ser minha (não entendo como o Agente Smith ainda não me excluiu da Matrix).
De alguma forma desacautelada e inusitada eu acelero o desenvolvimento natural de uma coisa enquanto embaraço o andamento de um processo necessário. Por esses atos inopinados colho frutos estranhos, fora de época, de sabor e consistência alterados. Doces lembranças de um passado distante erguem-se do solo sagrado em que foram sepultadas e me assombram vestidas de promessas de amor. “Antes tarde do que nunca”, dizem os fantasmas entre suspiros de saudades.
E o amor vivo que deveria estar crescendo na fecunda terra do desejo, contrai-se lentamente, levado pela inércia, pela desatenção, pela falta de cuidado. As flores transformam-se em pequenos botões, recolhidos em seguida pelas pontas dos ramos, que absorvem aos poucos cada uma das folhas. O caule, em suaves contrações, vai diminuindo até que já não se pode ver mais nada acima do solo. Abaixo dele, porém, as raízes decrescem centímetro a centímetro, até restar apenas um invólucro ressequido.
Quem daria crédito a tão frágil casulo? Fincado à terra tão próximo da superfície, privado da solidez da raiz e da ambição do caule em alcançar o sol, que chance ele teria em face da aridez do mundo? Seria muito provável que se desse seguimento ao processo de involução que conduziu a jovem planta de futuro aparentemente promissor até esse estágio de letargia.
Seria, sim, provável, se mais uma vez fizéssemos uso da lógica. Sabemos, entretanto, que o tempo que me é peculiar desafia a coerência. Embora se assemelhe a um fragmento de matéria sem vida, o pequeno envoltório aparentemente estéril abriga em seu interior uma minúscula semente... Que, a despeito de seu tamanho, traz em si uma carga genética de inúmeras recordações, promessas não cumpridas, desejos não realizados e momentos vividos.
E quem sabe dizer em que inesperado tempo uma gota de água e um raio de sol poderão despertar o grão adormecido e trazer à superfície o que já se considerava inexistente? O tempo presente é a época certa para se adubar o que existe, deixar aflorar o passado ou preparar o solo para cultivar o futuro?
A vida, seu enredo, diálogos, personagens e até mesmo as supostas surpresas não passam de clichês. Imagens e conceitos surrados que se exaurem de significado na própria angústia de fazer sentido. Ciente disso, a única possível resposta que me ocorre às questões do parágrafo anterior é outro chavão: “só o tempo dirá”.
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