quinta-feira, março 22, 2007

Tempo

Cada coisa tem seu tempo. Chavão. Tempo de plantar, tempo de colher. Clichê. Tempo pretérito, tempo vivido, tempo perdido, tempo de sobra, passatempo, tempo desperdiçado, tempo vindouro, aproveitar o tempo. Tempo. Tempo é quando, lugar é onde. Mas falar do tempo é lugar-comum.

Adentremos o estereótipo, então.

Paro às vezes e observo o confuso funcionamento do meu relógio biológico, engrenagens desdentadas, ponteiros desagregados, mecanismo desprovido de força motriz.

Reflito acerca do meu voluntarioso calendário interno, sempre a impor fatos em desordem anacrônica, contrariando a confortável lógica, conduzindo ao entorpecimento a semente de que deveriam irromper os primeiros brotos, e subitamente despertando vida no que parecia ser matéria orgânica passível somente de se transformar em adubo – na melhor das hipóteses.

Eu sou o elemento que se repete em diversos eventos caóticos que investigo. A única peça que se encaixa simultaneamente em tantos quebra-cabeças diferentes. A falha, portanto, deve ser minha (não entendo como o Agente Smith ainda não me excluiu da Matrix).

De alguma forma desacautelada e inusitada eu acelero o desenvolvimento natural de uma coisa enquanto embaraço o andamento de um processo necessário. Por esses atos inopinados colho frutos estranhos, fora de época, de sabor e consistência alterados. Doces lembranças de um passado distante erguem-se do solo sagrado em que foram sepultadas e me assombram vestidas de promessas de amor. “Antes tarde do que nunca”, dizem os fantasmas entre suspiros de saudades.

E o amor vivo que deveria estar crescendo na fecunda terra do desejo, contrai-se lentamente, levado pela inércia, pela desatenção, pela falta de cuidado. As flores transformam-se em pequenos botões, recolhidos em seguida pelas pontas dos ramos, que absorvem aos poucos cada uma das folhas. O caule, em suaves contrações, vai diminuindo até que já não se pode ver mais nada acima do solo. Abaixo dele, porém, as raízes decrescem centímetro a centímetro, até restar apenas um invólucro ressequido.

Quem daria crédito a tão frágil casulo? Fincado à terra tão próximo da superfície, privado da solidez da raiz e da ambição do caule em alcançar o sol, que chance ele teria em face da aridez do mundo? Seria muito provável que se desse seguimento ao processo de involução que conduziu a jovem planta de futuro aparentemente promissor até esse estágio de letargia.

Seria, sim, provável, se mais uma vez fizéssemos uso da lógica. Sabemos, entretanto, que o tempo que me é peculiar desafia a coerência. Embora se assemelhe a um fragmento de matéria sem vida, o pequeno envoltório aparentemente estéril abriga em seu interior uma minúscula semente... Que, a despeito de seu tamanho, traz em si uma carga genética de inúmeras recordações, promessas não cumpridas, desejos não realizados e momentos vividos.

E quem sabe dizer em que inesperado tempo uma gota de água e um raio de sol poderão despertar o grão adormecido e trazer à superfície o que já se considerava inexistente? O tempo presente é a época certa para se adubar o que existe, deixar aflorar o passado ou preparar o solo para cultivar o futuro?

A vida, seu enredo, diálogos, personagens e até mesmo as supostas surpresas não passam de clichês. Imagens e conceitos surrados que se exaurem de significado na própria angústia de fazer sentido. Ciente disso, a única possível resposta que me ocorre às questões do parágrafo anterior é outro chavão: “só o tempo dirá”.