terça-feira, abril 11, 2006

Equilíbrio senil

Dentro de mim costumava morar uma menina. Insegura como toda menina, requeria cuidados, carinho, atenção. Era também possessiva. Todo mundo sabe que é na infância que valoramos com máxima intensidade o pronome possessivo na primeira pessoa do singular. Tudo é meu. Se estiver no chão, é meu. Na minha mão? É meu. Na sua mão? É meu. Eu gosto? É meu. Era preciso ser muito paciente com a menina.


Por outro lado, ela era intensa. Sua inocência consistia no dom de confiar, de acreditar. Ela nunca mentiu, por isso não cogitava que pudessem mentir para ela. Mentir pra quê?


Ela era autêntica, original. Não sofria do mau que assola a maior parte da população mundial: todos querem ser iguais. Enquanto os outros desprezam a diferença, a menina sempre fugiu da mesmice. Ela era única.


E apaixonada. A paixão é um salto no escuro, requer uma dose de ingenuidade. A menina era ingênua o suficiente pra brincar com o perigo, confiante. Sua entrega desconhecia limites. E ela não temia a queda, porque tinha asas.


Não sei dizer ao certo se aquilo era coragem ou imprudência. Encarava os oponentes sem receio, porque sabia que podia com eles. Os únicos seres que poderiam, se quisessem, ferir a menina, eram aqueles que ela amava. E por que eles fariam isso?


A voz trêmula me perguntou, e eu não soube responder. A decepção era o monstro no armário da menina... Assustada, ela se escondeu tão bem, que a falta de qualquer vestígio me faz temer que ela tenha ido embora de vez.


Maturidade não depende da quantidade de anos que você viveu, mas da bagagem de experiência que adquiriu nesse tempo. E o sofrimento potencializa o aprendizado. Temo chegar aos trinta anos com a sabedoria de uma bisavó.


Caminho sem pressa rumo ao equilíbrio. Chega de sobressaltos e palpitações. Quanto mais baixas forem minhas expectativas, menores as chances de sofrer surpresas desagradáveis. Se as alegrias forem menos intensas, as tristezas também assim serão. Quanto menos me importo, menos dor eu sinto. Alerto, entretanto: me conformo com o nada, mas se for me oferecer algo, saiba que não me contento com pouco.


Escolho o tépido, o monótono, o insípido, o uníssono, o menos arriscado.


Não me faça mais sofrer.


Sinto falta das minhas asas.